Livro: "Vidas trans - A coragem de existir" e a contínua luta por visibilidade


O livro Vidas trans - A coragem de existir, lançado pela Astral Cultural, traz narrativas em primeira pessoa de quatro pessoas transgêneras: Amara Moira (autora de E se eu fosse puta?), Márcia Rocha, T. Brant e João W. Nery (autor de Viagem solitária). 

Conta ainda com prefácios de Laerte Coutinho, que dispensa apresentações e de Jaqueline Gomes de Jesus, professora de psicologia no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e primeira mulher trans negra a receber a medalha Chiquinha Gonzaga em março deste ano.

Em seus textos, cada um dos indivíduos discute suas experiências pessoais e como suas identidades foram sendo descobertas e desenvolvidas ao longo do tempo. Em comum, todos lembram da sensação de inadequação logo na infância e da pressão por parte da família e da sociedade para demonstrarem um comportamento dentro das expectativas geradas de acordo com o gênero que lhes foi designado no nascimento.

O livro vem em um momento propício, uma vez que, mesmo nunca antes tendo se falado tanto em transgeneridade e na multiplicidade das identidades e expressões de gênero, predomina a desinformação (por parte de quem não aceita ou não se interessa em compreender) ou, ainda pior, a distorção do tema. E, para melhor entender a respeito da experiência trans, nada melhor do que conhecê-la pelas vozes de quem passou e passa por ela.

Enquanto conservadores e religiosos se esforçam nessa cruzada contra uma suposta "ideologia de gênero", pessoas como os autores de Vidas trans buscam, incansavelmente, meios de fazer a sociedade compreender que sua condição não é meramente uma ideologia e que, em grande parte, o sofrimento vivido pelos sujeitos transgêneros é fruto da insistência em um biologismo que determina praticamente todo o nosso destino.

Quando evocamos Simone de Beauvoir para afirmar que ninguém nasce mulher, é isto que queremos dizer: a criança aprende a ser mulher, conforme as expectativas da sociedade. Se, ao nascer, o médico afirma que o bebê é menino ou menina, juntamente com a constatação de ser "macho" ou "fêmea" ele coloca, sobre a criança, tudo o que se espera de seu gênero dali em diante. No caso da menina, deve ser delicada, sensível, gostar de rosa, de brincar com bonecas e, ainda que nem saiba o que é a sexualidade, espera-se que demonstre um instinto materno. No caso do menino, deve ser corajoso, viril, racional, devendo demonstrar o mínimo de emoções possível. Se esse menino revela um interesse por, digamos, brincar com bonecas, logo a família, a escola, a sociedade, enfim, precisa corrigi-lo, apontando para como seu comportamento está errado.

A transgeneridade não é a negação da biologia, muito pelo contrário, é uma aceitação da complexidade do corpo e de seus mecanismos, algo que nos revela que o chamado sexo não se define somente por dois cromossomos, mas por toda uma série de interações e sinapses no organismo. O gênero, por sua vez, chega com toda sua carga sócio-cultural, de forma que não conseguimos mais isolar o biológico do discursivo. E, como esse livro nos mostra, essa incapacidade pode trazer consequências para toda uma vida.

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