Livro: "Kindred - Laços de sangue", de Octavia E. Butler



O livro Kindred é uma obra prima da escritora Octavia E. Butler, lançada originalmente em 1979, mas apenas publicada no Brasil em 2017, pela Editora Morro Branco. Apesar de classificada como ficção científica (nicho em que a escritora se destacou nos Estados Unidos), a obra não envolve um futuro ficcional, mas um passado e um presente (à época, ou seja, anos 70) bastante reais, estando além de qualquer rótulo.

Desde a primeira leitura que fiz do romance, em inglês (em 2012 ou 2013, se não me engano), até essa nova experiência com a tradução para o português, a reação é a mesma: uma mistura de soco na cara com êxtase. A primeira, em função de tudo o que a autora é capaz de condensar em uma única narrativa - e que muitos/as não conseguem transmitir em múltiplas teses e extensos artigos - e a última, pela qualidade e perspicácia com que faz isso.

A história compreende uma série de episódios na vida de Dana, uma escritora negra que, repentinamente, é levada de volta ao passado escravocrata do sul dos Estados Unidos. Suas idas e vindas no tempo estão atreladas a um ancestral branco. Ademais, Dana é casada também com um homem branco que, em uma ocasião, acaba retornando ao passado junto com ela.

Como essa linha narrativa, Butler traz a história da escravidão de forma realista, com imagens dolorosamente descritas de forma precisa e direta, ao mesmo tempo em que levanta o debate acerca das diferenças raciais em dois períodos que, embora aparentemente distantes, permanecem solidamente ligados.

Ao conhecer sua ancestralidade, na figura de um homem branco que exerce seu poder como dono/proprietário para engravidar uma escrava, Dana se depara com a violência por trás de sua própria existência e com a impossibilidade de se dissociar desse passado que guarda suas raízes.

A tradução para o português foi feita por Carolina Caires Coelho e mantém a agilidade com as palavras que faz com que a leitura de Kindred seja rápida e cativante. Apesar de algumas repetições de palavras e expressões, as soluções linguísticas são interessantes e a qualidade da escrita de Butler se manteve.

Trata-se de uma leitura urgente, da qual, garanto, ninguém sai ileso. Para comprar Kindred com desconto, basta acessar este linkhttp://amzn.to/2G66KqP.

Um pouco mais sobre Octavia E. Butler


Octavia E. Butler nasceu em 1947, em Pasadena, Califórnia, filha única de Octavia Margaret Guy, empregada doméstica, e Laurice James Butler, engraxate, que faleceu quando a garota tinha apenas 7 anos.

Por ser extremamente tímida e sofrer de dislexia leve, Butler tinha dificuldades de se socializar com outras crianças e preferia passar o tempo na Biblioteca Central de Pasadena. Ela também aproveitava para escrever e, apesar do interesse inicial por contos de fadas, tornou-se ávida leitora de ficção científica ao descobrir revistas dedicadas exclusivamente ao gênero. 

Aos 10 anos, depois de muito insistir, ganhou uma máquina de escrever da mãe. Mesmo depois de ouvir de sua tia que negros não poderiam ser escritores, ela continuou a produzir e ainda durante o ensino médio enviou seu primeiro conto para uma revista.

Formando-se na escola em 1965, passou a trabalhar durante o dia para bancar sua faculdade à noite. Seu primeiro pagamento como escritora foi o prêmio de 15 dólares por ganhar uma competição universitária de contos. 

Foi um episódio durante a graduação que lhe deu a ideia para a história que iria se transformar em Kindred: um colega do Movimento Black Power criticou enfaticamente as gerações anteriores de afro-americanos por ter sido submissa aos brancos. Em entrevistas após o lançamento da obra, Butler explicou que aquela afirmação foi catalisadora para que ela escrevesse sobre o contexto histórico da subserviência e para mostrar que, por um lado, esta poderia ser entendida como silêncio, mas que, por outro, era também uma forma corajosa de garantir a sobrevivência.

Depois de se formar na Pasadena City College (Faculdade da Cidade de Pasadena) em Artes com foco em História, Butler continuou a trabalhar em empregos temporários, que lhe permitiam acordar às 3 da madrugada para escrever. Ela chegou a se matricular na California State University (Universidade da Califórnia) de Los Angeles, mas optou por fazer apenas cursos de extensão em vez de um novo bacharelado.

Em Los Angeles, frequentou um workshop voltado para escritores de minorias sociais, chamando a atenção de Harlan Ellison, que a convenceu a fazer um curso específico de escrita de ficção científica em Clarion, na Pensilvânia. Como editor, Ellison também comprou as primeiras histórias de Butler, que foram publicadas em antologias a partir de 1971.

A consagração de Butler como Grande Dama da Ficção Científica começou em 1984, quando recebeu seu primeiro Hugo Award na categoria de conto, por "Speech Sounds", uma história sobre uma pandemia que assola o planeta e afeta a capacidade de comunicação dos seres humanos, que passam a carregar objetos ou símbolos que funcionam como identificadores/nomes. 

A partir de então, foi premiada diversas outras vezes e, em 1995, tornou-se a primeira escritora de ficção-científica a receber a bolsa da Fundação MacArthur concedida anualmente a indivíduos que demonstram extrema originalidade e perseverança em suas respectivas áreas de atuação. À época, o valor recebido por ela foi de 295 mil dólares.

Seu último romance, Fledling, foi publicado em 2005, sendo uma ficção científica com vampiros bem peculiares, por serem capazes de manter uma aparência infantil.

A escritora faleceu em fevereiro de 2006, em Washington.



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