Reflexões sobre a necropolítica brasileira



No ensaio Necropolítica (2018), o camaronês Achille Mbembe aponta como o funcionamento político ainda se prende ao controle dos corpos e, diferentemente daquilo que se associa ao regime democrático, enfrentamos governos que expressam sua soberania por meio de sua "capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer" (p. 5).

Não é preciso muito para observar isso nos discursos de figuras como os Bolsonaros (pai e filhos) e do atual governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por exemplo. A eleição desses indivíduos ocorreu, em grande medida, por conta de declarações sobre como determinados grupos deveriam ser, literalmente, exterminados, para além da ideia de que, em uma guerra ou situação de conflito, a morte de inocentes é um mal necessário para se reprimir, violentamente, a violência.

A sanção, apoiada por um número considerável de pessoas, ao assassinato de "bandidos" vem, dessa forma, atrelada à morte de indivíduos inocentes – inclusive crianças – como uma espécie de consequência indissociável das políticas públicas de segurança. Pela lógica utilitarista, é uma pena que crianças morram, mas pelo menos os criminosos também estão morrendo. Este pensamento é o reflexo escancarado de uma classe média que cultiva um ódio e um desprezo nada velados em relação ao pobre – como se fosse o pobre o maior responsável por sua pobreza.

Na verdade, desde o princípio da favelização no Brasil ficou-se subentendido que a população ocupante das periferias representa um contingente de pessoas descartáveis caso não tragam benefícios econômicos à nação. Como produtos mercadológicos, têm uma vida útil determinada. Daí a relativização da comoção sobre o assassinato, pela força policiais, de Ágatha Félix: não sendo uma filha da classe média, tinha poucas chances de se tornar um ativo econômico de relevância.

A indignação efetiva só virá quando alguém com um "futuro brilhante" se tornar vítima dessa necropolítica. Enquanto matarem quem, desde o nascimento, precisa negociar seu direito à vida, o curso das coisas permanecerá o mesmo, afinal, era justamente isso que os eleitores de Witzel esperavam quando lhe garantiram o voto.



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Leitura complementar: "O Fantasma do Estado: Genocídio e Necropolítica", por Osmundo Pinho

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