Tradução: "Right-wing militias on the loose", matéria do The Hindu

Milícias de direita à solta
Paramilitares que apoiam Bolsonaro ameaçam matar juízes, políticos, promotores e prefeitos.

por Shobhan Saxena
23 de maio de 2020

[Nota: Shobhan Saxena, autor do artigo, mora em São Paulo; trabalhou como correspondente no Brasil do tradicional jornal The Times of India, considerado o maior jornal de língua inglesa do mundo e atualmente é correspondente do jornal The Hindu. É também ex-presidente da Indian Association for the Study of Population, tendo dado palestras como representante da comunidade indiana no consulado de São Paulo.]



Na quarta-feira (20), uma equipe da polícia prendeu dois homens em um condomínio de luxo à beira do Lago Paranoá em Brasília. Eles também apreenderam posters com fotos de homens fortemente armados com equipamento militar completo, clamando por um golpe militar no Brasil. Os suspeitos haviam mandado um e-mail, intitulado "Sentença de morte aos traidores da pátria", aos principais juízes do país.
"Nós apelamos ao povo para matar políticos, juízes, promotores, prefeitos, seus conselheiros, parentes e demônios de todos os tipos em defesa de si mesmos", o e-mail dizia. Por um ano, juízes têm recebido ameaças de morte de grupos anônimos. Um ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, disse na quinta-feira (21) que as pessoas por trás das ameaças eram "fascistas" e "bolsonaristas" — seguidores fanáticos do presidente Jair Bolsonaro.
Sob Bolsonaro, o sistema de presos e contrapesos entre as instituições está rangendo, uma vez que o líder de extrema direita com frequência projeta o Supremo Tribunal Federal e o Congresso como seus inimigos. Mas os ataques mais rancorosos a essas instituições vêm dos grupos bolsonaristas, que são hiperativos nas mídias sociais, com um exército massivo de trolls abarrotados de contas falsas e bots. Sua arma de escolha são as fake news.
"Grupos de extrema direita radicais trabalham incansavelmente para deslegitimar as instituições democráticas no Brasil. Esses grupos produzem e distribuem fake news como uma forma de tirar vantagem dos medos e das vulnerabilidades das pessoas. Uma vez que as pessoas esperam por uma solução e como forma de resolução dos medos, eles promovem a narrativa de uma intervenção pro-militar", diz David Nemer, professor de Estudos Midiáticos da Universidade de Virgínia, que rastreia tendências das mídias sociais.
Desde 2018, quando Bolsonaro lançou sua campanha presidencial, o Brasil tem sido uma laboratório de fake news e ódio. Agora, enquanto o governo falha completamente para controlar o alastramento do coronavirus (COVID-19) e múltiplos escândalos vão parar no tribunal, os bolsonaristas aumentam seu maquinário de ódio. Liderando o grupo está o "300 do Brasil" que é "inspirado pela batalha de Termópilas, durante as Guerras Persas" e cujos membros aparecem em público com vestuário do exército. Eles têm uma agenda clara: "Fazer os ministros do Supremo Tribunal entenderem, se necessário, coercitivamente, que eles não são semideuses".
Um movimento por Bolsonaro
Comandado por uma mulher de 30-e-poucos anos chamada Sara Winter, que alega ter sido treinada para a "revolução" na Ucrânia, os "300" foram criados em um evento "live" nas mídias sociais em que a líder apareceu com dois blogueiros notórios para criar um "movimento em apoio a Bolsonaro". Usando sua forte presença nas mídias sociais, Winter e seus companheiros de viagem recentemente lançaram uma campanha para levantar fundos para "treinamento tático em guerra de informação" para atacar juízes e parlamentares. Eles conseguiram arrecadar 60 mil reais em uma questão de dias.
Mas as ações dos "300" não estão restritas ao mundo virtual. Conforme Bolsonaro encoraja eventos aos finais de semana na capital para reunir seus apoiadores contra a quarentena, o grupo tem montado acampamentos em diversas localizações. Depois da reunião do último domingo (17), em que diversos membros dos "300" foram vistos com armas, um ato ilegal no Brasil, promotores federais pediram ações contra a "milícia armada". Mas isso não impediu o grupo de usar suas táticas subliminares para insuflar a base de extrema direita de Bolsonaro e tentar subjugar a oposição com ataques online. "O grupo de Sara Winter é claramente fascista. É um grupo paramilitar formado para intimidar a oposição e, como ela disse, exterminar a esquerda do Brasil", disse Henry Bugalho, um popular YouTuber que analisa a política brasileira em seus vídeos diários. "Eles querem negar aos outros qualquer espaço em debates políticos."
Essa tendência, infelizmente, está jorrando do topo. Em um vídeo, divulgado ao público pelo Supremo Tribunal na sexta (22), Bolsonaro é visto atacando seus oponentes em uma retórica repleta de profanidades. A reunião, convocada para se discutir medidas para enfrentar a pandemia, transformou-se em um show histérico na medida em que o presidente lançou um ataque com todas suas forças aos governadores e prefeitos que estão tomando medidas de quarentena para reprimir o alastramento do vírus. "Eu vou dar armas ao povo contra essa ditadura da quarentena", Bolsonaro é visto dizendo no vídeo.

O senador Randolfe Rodrigues comentou que o vídeo "mostra as piores intenções do presidente". "Ele fala sobre armar a todos. Ele já mostrou que tem relações diretas com o submundo criminal. Ele já mostrou que ele quer legalizar as milícias. Ele não quer dar armas ao povo; isso é para os grupos milicianos, os quais ele quer usar para suas ambições", disse Rodrigues, o líder da oposição.

Link para a reportagem original: "Right-wing militias on the loose"

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