Tradução: "Jair Bolsonaro’s populism is leading Brazil to disaster", artigo do Financial Times
O populismo
de Jair Bolsonaro está levando o Brasil ao desastre
Se a vida fosse uma fábula de
moralidade, as palhaçadas em relação à covid-19 colocariam os brasileiros
contra o presidente populista
Gideon Rachman
25 de maio de 2020
[Nota: A revista Financial Times é uma publicação abertamente "liberalista", que pode ser considerada defensora de ideais da direita política e daquilo que conhecemos por neoliberalismo. O autor do artigo de opinião, Gideon Rachman, é um condecorado jornalista britânico, responsável por comentar assuntos externos na publicação desde 2006, após ter passado 15 anos trabalhando para outra publicação "liberalista", a The Economist. No ano de 2016, ganhou o prêmio Orwell de jornalismo político.]
Em uma visita ao Brasil no
ano passado, tive uma conversa com uma prominente financista a respeito dos
paralelos entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.
"Eles são muito
semelhantes", ela disse, antes de adicionar: "Mas Bolsonaro é mais
estúpido." Essa resposta me surpreendeu, já que o presidente dos E.U.A.
não é geralmente lembrado como um intelecto imponente. Mas minha amiga
banqueira foi insistente. "Olhe", ela disse. "Trump administrou um
grande negócio. Bolsonaro nunca foi nada além de capitão no exército."
A pandemia de coronavírus me
lembrou dessa observação. O presidente do Brasil adotou uma abordagem que é
surpreendentemente similar àquela de Trump — mas muito mais irresponsável e
perigosa. Ambos os líderes se tornaram obcecados com as propriedades
supostamente curativas da droga antimalária hidroxicloroquina. Mas enquanto
Trump está apenas tomando o remédio ele mesmo, Bolsonaro forçou o Ministério da
Saúde brasileiro a publicar novas diretrizes, recomendando a droga para
pacientes de coronavírus. O presidente dos E.U.A. brigou com seus assessores
científicos. Mas Bolsonaro demitiu um ministro da Saúde e provocou a renúncia
de seu substituto. Trump expressou simpatia por seus manifestantes
anti-lockdown; Bolsonaro discursou em suas manifestações.
Infelizmente, o Brasil já
está pagando um preço alto pelas palhaçadas de seu presidente — e as coisas
estão piorando rapidamente. O coronavirus atingiu o Brasil relativamente há
pouco tempo. Mas o país tem a segunda taxa de infecção mais alta no mundo e o
sexto maior número de mortes por covid-19 registradas. O número de mortes no
Brasil, país que tem aproximadamente metade da população da América do Sul,
está agora dobrando a cada duas semanas, em comparação a cada dois meses no
Reino Unido duramente atingido.
A composição econômica e
social do Brasil significa que o país será atingido severamente conforme a
pandemia se acelera. O sistema hospitalar em São Paulo, a maior cidade do país,
já está próximo ao colapso. Com grande parte da população vivendo em condições
de aglomeração, e sem reservas de dinheiro, o desemprego em massa pode levar à
fome e ao desespero nos próximos meses.
Mas é justo culpar Bolsonaro?
O presidente, que tomou posse em 1º de janeiro de 2019, obviamente não é
responsável pelo vírus — nem pela pobreza e pelas comunidades superlotadas que
fazem da covid-19 tamanha ameaça ao país. Ele também não foi capaz de impedir
que muitos dos governadores e prefeitos do Brasil impusessem quarentenas em
áreas locais. Mas ao encorajar seus seguidores a escarnecerem das quarentenas e
ao enfraquecer seus próprios ministros, Bolsonaro é responsável pela resposta
caótica que permitiu que a pandemia ficasse fora de controle. Como resultado
disso, os danos na saúde e na economia sofridos pelo Brasil provavelmente serão
mais duros e profundos do que deveriam ser. Outros países enfrentando condições
sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma resposta muito
mais disciplinada e efetiva.
Se a vida fosse uma fábula de
moralidade, as palhaçadas em relação à covid-19 colocariam os brasileiros
contra o presidente populista. Mas a realidade pode não ser tão simples.
Não há dúvidas de que
Bolsonaro está em apuros políticos. Seus índices de popularidade caíram e agora
estão abaixo de 30 por cento; cerca de 50 por cento da população desaprova o
modo como ele está lidando com a crise. O apoio que ele já gozou de
conservadores mainstream — que estavam desesperados para ver a saída do Partido
dos Trabalhadores — agora está desmoronando. Sergio Moro, seu popular
ministro da Justiça combatente da corrupção, pediu demissão no mês passado. As
alegações de Moro sobre os esforços do presidente para interferir nas
investigações policiais foram suficientemente explosivas para provocar que a
Suprema Corte abrisse uma investigação que pode levar a seu impeachment.
Mas o
impeachment no Brasil é um processo tão político quanto legal. As contravenções
que levaram à tirada de Dilma Rousseff da presidência em 2016 foram bastante
técnicas. Foi mais significativo o fato de Rousseff ter decaído a uma taxa de
aprovação de 10 por cento nas pesquisas e de que a economia sofria uma profunda
recessão. As taxas de Bolsonaro ainda estão bem acima do ponto mais baixo de
Rousseff. E enquanto a economia está sem dúvidas se encaminhando para uma
grande recessão e uma onda de desemprego, sua retórica anti-quarentena pode lhe
garantir alguma proteção política. Oliver Stuenkel, professor da Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo, diz: "O que Bolsonaro quer fazer é se
dissociar da crise econômica que está se aproximando."
As medidas de isolamento que
Bolsonaro desaprova podem, na verdade, ajudá-lo politicamente. Elas podem
impedir as manifestações em massa que deram o ímpeto para o movimento de
impeachment de Rousseff. E elas tornarão mais difícil, para políticos, tramar e
barganhar nos proverbiais bastidores — um processo que é necessário para
costurar um impeachment bem sucedido. Confabular pelo telefone simplesmente não
é a mesma coisa. Alguns políticos podem achar que mergulhar o Brasil em uma
crise política é indecoroso em meio a uma pandemia.
Ainda assim, a unidade
nacional não irá aparecer enquanto Bolsonaro for presidente. Nos clássicos
moldes populistas, ele prospera sobre a política da divisão. O Brasil já é um
país profundamente polarizado, onde teorias da conspiração são abundantes. As
mortes e o desemprego causados pela covid-19 são exacerbados pela liderança de
Bolsonaro. Mas, perversamente, um desastre na saúde e na economia poderiam
criar um ambiente ainda mais hospitaleiro para a política do medo e da
irracionalidade.
Link para a reportagem original: "Jair Bolsonaro's populism is leading Brazil to disaster"
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